A República contra a Máquina

1- Não o mero viver, mas a busca da vida bela. 2- A Liberdade não se negocia, a Paz sim. "Pode-se imaginar um prazer e força na auto-determinação, uma liberdade da vontade, em que um espírito se despede de toda crença, todo desejo de certeza, treinado que é em se equilibrar sobre tênues cordas e possibilidades e em dançar até mesmo à beira de abismos. Um tal espírito seria o espírito livre por excelência" (Nietzsche. Gaia Ciência, parágrafo 347)

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sexta-feira, julho 18, 2008

Vaidade como virtude política

Muitos criticam o delegado, o juiz e o promotor que estão tentando prender Daniel Dantas e sua turma. Alegam que os agentes da lei estão querendo aparecer nos holofotes. Afirmam os críticos que eles estariam sendo movidos pela "vaidade humana".

Qual é o problema com a vaidade? Se mais gente quisesse "aparecer" dessa maneira com certeza a qualidade da justiça, da polícia e dos políticos seria bem melhor.

Na Grécia antiga e em Roma, a busca de "honra, glória e fama", presente na religião e na cultura da época, era um poderoso estímulo para o civismo e a dedicação dos homens ao bem público. Os homens queriam "proferir belas palavras, realizar grandes ações na política" para deixar a sua marca na história e conquistar assim uma imortalidade. Ou seja, eles agiam movidos pela "vaidade". A condenação da vaidade só surgiu depois, com a hegemonia dos galileus, e teve o efeito de diminuir a o interesse do cidadão comum pela política. A condenação da vaidade é antipolítica e aumenta a corrupção.

Se o delegado Protógenes agiu movido pela vaidade então parabéns!

Vaidade pode ser uma virtude política, quem não a têm, como bom filisteu, só quer dinheiro e uma vida tranquila no anonimato...

quarta-feira, julho 16, 2008

Algemas e justiça do demos

Alguns cidadãos endinheirados estão com a opinião de que a Polícia Federal está agindo de modo "proto-fascista", que suas ações são "espetaculares", que são ações populistas que se apóiam no "ressentimento popular" e que o uso de algemas é um símbolo desse "Estado policial".

Os que pensam assim devem estar felizes com as atitudes do ministro do STF, Gilmar Mauro, que soltou os presos da operação Satiagraha; devem estar felizes com o afastamento do delegado Protógenes Queiroz, que conduziu as investigações deste caso por anos; também devem estar comemorando a liminar concedida pelo STJ, que proíbe a polícia de algemar Salvatore Cacciola quando ele entrar no Brasil.

Nenhum desses críticos da Polícia Federal fala sobre os supostos crimes dos acusados, nem mencionam a entrevista de Daniel Dantas onde ele afirma: "minha única preocupação é com a Polícia Federal, porque no STJ e no STF eu estou tranquilo".

Os críticos da Polícia Federal ainda afirmam que a PF estaria sendo usada politicamente, estaria sendo aparelhada pelos petistas. Provavelmente existem alguns delegados mais ligados ao PT e outros ao PSDB, mas será que todos? Eu me pergunto: como o delegado Protógenes Queiroz e o juiz de Sanctis podem estar sendo parciais e manipulados pelo governo se as acusaões contra Daniel Dantas vão sujar o próprio nome do governo? Os políticos buscam chegar ao poder e se manter no poder, não seria nada "racional" para um político defender uma ação da Polícia Federal que vai contra seus próprios interesses. Outros podem dizer que o governo ganharia em imagem, mostrando serviço para a população em ano de eleição. Se isso for verdade, é uma estratégia muito arriscada e burra, pois os escândalos podem chegar até a presidência da república. Nossos políticos, tanto os da oposição quanto os do governo, não são ingênuos para correr um risco desses.

A verdade é os grupos financeiros e políticos tem muita influência, mas não tem mais um controle total da justiça e da polícia federal, seja porque há grupos de colarinho branco em concorrência entre si, seja porque existem brechas nas instituições que permitem que indivíduos como Protógenes e De Sanctis atuem em favor da justiça. A operação Satiagraha abriu uma caixa de pandora cuja revelação desagrada tanto o governo petista quanto a oposição PSDB-DEM, pois Daniel Dantas e sua quadrilha tem ligações íntimas com os dois lados da triste política brasileira atual (PT e aliados x PSDB e aliados).

Nenhum destes argumentos dos críticos da Polícia Federal é sério. Esses críticos são uns fanfarrões aristocratas ou baba-ovos de aristocratas financeiros que estão indignados com os sinais de avanço da igualdade jurídica no país. Mas eles não podem admitir isso publicamente, pois perderiam qualquer apoio, então apelam para esses argumentos sem fundamento para defender a sua posição contrária à igualdade jurídica. Nesta luta em torno da igualdade jurídica temos dois pólos: 1) O STJ e o STF, onde a aristocracia financeira se sente mais protegida em seus "direitos", segundo podemos concluir pelas palavras do próprio Daniel Dantas; 2) Alguns delegados da Polícia Federal e muitos juízes e promotores do Brasil - muitos de uma geração nova - e que estão tomando atitudes "inesperadas", "irresponsáveis", como colocar no banco dos réus e prender as pessoas que nunca estiveram nesta situação: os criminosos do colarinho branco que formam parte importante da elite econômica e política do país.

Nessa briga, o uso das algemas se tornou um símbolo que sintetiza o dilema que passamos entre um avanço na igualdade jurídica ou uma contenção desse avanço.

A "espetacularização" das prisões e o uso de algemas sinaliza aos cidadãos que "os grandes" também estão respondendo por seus crimes. A ação do STF soltando esses "grandes" contribui para o descrédito cada vez maior que os cidadãos comuns têm em relação às instituições. Nesse contexto, mesmo sendo desnecessário, o uso de algemas adquire um significado estético e político que acaba transformando um ato rotineiro da polícia em um símbolo da justiça do demos (povo).

sexta-feira, julho 11, 2008

Glória, Napoleão, Antigos e Modernos

“O sacrifício que o soldado de Napoleão fazia de sua vida, para ter a honra de participar de uma epopéia ‘eterna’ e de viver na glória da França, embora reconhecendo ‘que sempre seria um pobre homem’; as virtudes extraordinárias demonstradas pelos romanos, que se resignavam a uma terrível desigualdade e se empenhavam tanto para conquistar o mundo; ‘a fé na glória (que foi) um valor sem igual’ criado pela Grécia e graças ao qual ‘foi feita uma seleção na massa espessa da humanidade, a vida encontrou uma motivação, houve uma recompensa para quem havia buscado o bem e o belo’, são coisas que a filosofia intelectualista não saberia explicar”.
(Georges Sorel, Reflexões sobre a violência. Ed. Martins Fontes, p. 43).

“Napoleão foi a última batalha do terrorismo revolucionário contra a sociedade burguesa, também proclamada pela Revolução, e sua política. É certo que Napoleão já possuía também o conhecimento as essência do Estado moderno, e compreendia que este tem como base o desenvolvimento desenfreado da sociedade burguesa, o livre jogo dos interesses privados etc. Ele decidiu-se a reconhecer estes fundamentos e a protegê-los. Não era nenhum terrorista fanático e sonhador. Porém, ao mesmo tempo, Napoleão seguia considerando o Estado como um fim em si e via na vida burguesa apenas um tesoureiro e um subalterno seu, que não tinha o direito de possuir uma vontade própria. E levou a cabo o terrorismo ao por no lugar da revolução permanente a guerra permanente. Satisfez até a saciedade o egoísmo do nacionalismo francês, mas reclamou também o sacrifício dos negócios, o desfrute, a riqueza etc. da burguesia, sempre que assim o exigisse a finalidade política da conquista. E, se reprimiu despoticamente o liberalismo da sociedade burguesa, o idealismo político de sua pratica cotidiana, não poupou também seus interesses materiais essenciais, o comércio e a indústria, quando estes se chocavam com seus interesses políticos. Seu desprezo pelos hommes d’affaires industriais era o complemento de seu desprezo pelos ideólogos. Também em direção ao interior combatia o inimigo do Estado na sociedade burguesa, Estado que ele considerava como um fim em si absoluto”.
(Marx, K. A Sagrada Família. Ed. Boitempo, p. 142)

Financistas, internacionalismo e guerra

"No movimento nacionalista dominante hoje em dia e na expansão do direito de voto universal, não posso deixar de ver antes de tudo os efeitos do medo da guerra, sim, e enxergo no fundo desse movimento que quem propriamente tem medo são aqueles eremitas monetários, internacionalistas, despatriados, que, por sua falta natural do instinto estatal, aprenderam a utilizar abusivamente a política, o estado e a sociedade como aparatos para o seu próprio enriquecimento, por meio da bolsa. Contra o desvio da tendência estatal para a tendência monetária, a ser temido desse ponto de vista, o único antídoto é a guerra e sempre a guerra: em cuja agitação fica muito claro, pelo menos, que o Estado não se fundamenta no medo do demônio da guerra, como instituição protetora dos homens egoístas, mas que no amor à terra natal e ao príncipe produz-se um ímpeto ético, que aponta uma determinação muito mais elevada. Assim, quando indico, como característica perigosa da política presente, uma mudança dos pensamentos revolucionários a serviço de uma aristocracia monetária egoísta e desestatizada, quando, do mesmo modo, compreendo a monstruosa expansão do otimismo liberal como resultado da economia monetária moderna, caída em mãos que lhe são estranhas, e vejo todos os males da situação social, incluindo a decadência necessária da arte, ou nascerem daquela raiz ou crescerem junto com ela num emaranhado: terei que entoar oportunamente um canto de louvor à guerra." (Nietzsche, O Estado Grego. Pg. 51)
Interessante, partindo de Nietzsche. Nietzsche percebe uma mudança nos pensamentos revolucionários "a serviço de uma aristocracia monetária egoísta e desestatizada" e identifica um elo entre os financistas e o pensamento "internacionalista". Estaria ele falando do liberalismo que surgiu após a queda dos jacobinos? O enterro das tendências republicanas antigas presentes nos revolucionários franceses?
O elo entre financistas e a ideologia internacionalista e cosmopolita também foi percebido por Burke, Tocqueville, Marx, Carl Schmitt e Koselleck.
Havia uma forte influência do republicanismo antigo na revolução francesa. O jovem Marx, que queria levar adiante o projeto da Revolução Francesa, afirma numa menção aos antigos:
"Se demonstrará que não se trata de traçar uma grande divisão do pensamento entre o passado e o futuro, mas de realizar os pensamentos do passado. Se demonstrará, finalmente, que a humanidade não aborda nenhum trabalho novo, senão que leva a cabo, com consciência do que faz, seu trabalho antigo" .(Marx, K. – "Carta a Ruge de setembro de 1843").
A Polis clássica, mas sem escravidão: era esse o projeto revolucionário. Quando os jacobinos foram derrotados, o marxismo herdou esse projeto. A questão da relação entre o cosmopolitismo e o republicanismo no pensamento de Marx é mais complicada.

Cidade Livre

"E quem se torna Senhor de uma cidade acostumada a viver livre e não a destrói, que aguarde ser destruído por ela, porque ela sempre tem como refúgio de suas rebeliões a palavra liberdade e seus velhos costumes, os quais nem pela extensão do tempo nem por nenhum benefício serão jamais esquecidos. E por mais coisas que se façam ou que se ofereçam, a menos que se expulsem ou dispersem os habitantes, nunca eles esquecerão essa palavra e esses costumes"
(Maquiavel, em "O Príncipe").

terça-feira, julho 01, 2008

A lei seca e o despotismo brando

Como noticiado na Folha de São Paulo, a lei seca aprovada no Brasil é uma das mais rigorosas do mundo, tão rigorosa que a ingestão de dois bombons com recheio de licor pode significar para o motorista uma multa de R$ 955, sete pontos na carteira de habilitação e suspensão do direito de dirigir por um ano. Mas a lei seca não é apenas rigorosa, ela revela uma tendência paternalista perigosa do Estado contemporâneo: em nome da redução de riscos e da segurança, o Estado tende a tutelar cada vez mais os seus cidadãos, em vez de responsabilizá-los por seus atos. Por que não responsabilizar apenas o cidadão que cometeu o crime de trânsito com penas mais rigorosas, em vez de tutelar todos como se fossem incapazes punindo-os antes dos crimes de trânsito? Dirão que apenas punindo antes é que se pode prevenir o acidente, mas assim se está excluindo totalmente a possibilidade de juízo do cidadão a respeito de se ele pode dirigir ou não nesta situação e responder por seus próprios atos. A lei seca é uma espécie de “ataque preventivo” do Estado contra os acidentes de automóvel. A prevenção de riscos muitas vezes se dá às expensas da liberdade, e, como tem prevalecido o vocabulário da prevenção de riscos, temo que o equilíbrio entre liberdade e segurança almejado pela republica democrática esteja dando lugar a um Estado “Big Brother” que tutela os cidadãos em nome de sua segurança. É uma espécie de despotismo brando, pois passa despercebido em meio a mudanças graduais e muitas vezes bem intencionadas.

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