A República contra a Máquina

1- Não o mero viver, mas a busca da vida bela. 2- A Liberdade não se negocia, a Paz sim. "Pode-se imaginar um prazer e força na auto-determinação, uma liberdade da vontade, em que um espírito se despede de toda crença, todo desejo de certeza, treinado que é em se equilibrar sobre tênues cordas e possibilidades e em dançar até mesmo à beira de abismos. Um tal espírito seria o espírito livre por excelência" (Nietzsche. Gaia Ciência, parágrafo 347)

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quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Democracia e Liberalismo 1

É um dos dogmas da sociedade contemporânea a idéia de que democracia e liberalismo são dois lados da mesma moeda. No entanto, essa idéia não resiste à crítica. A democracia é muito anterior ao liberalismo.

Em Atenas, no séc. V a.C., onde começou o uso do termo e a sua prática, ela significava o governo dos muitos, o governo do povo. Sabemos que a cidadania era restrita, mas a participação direta de "quem era cidadão" na assembléia (ekklesia) era condição mínima para que pudéssemos falar em democracia. Em uma população média de 35.000 habitantes, para as decisões mais importantes eram necessários pelo menos 6.000 cidadãos deliberando na assembléia. A assembléia também escolhia, por SORTEIO, os membros do conselho (Boulé), que deveriam organizar os projetos e medidas que seriam votados pela assembléia. Os juízes também eram escolhidos por sorteio, assim como todas as magistraturas (cargos "executivos"), exceto as que exigissem um conhecimento técnico, como por exemplo o chefe militar (estratego), nesses casos o ocupante do cargo era escolhido por sorteio.

O sorteio era a forma de escolha democrática por excelência, pois qualquer cidadão poderia ser escolhido para servir à pátria, independente de sua renda. Ao longo de sua vida, o cidadão ateniense podia ter passado por todos os cargos do estado.

Os oligarcas eram contra o sorteio e eram favoráveis à eleição. O argumento deles era que o sorteio não garantia a "qualidade" do governante, e através da eleição poderíamos escolher os "melhores". Os democratas criticavam afirmando que esses melhores poderiam não ser melhores por "mérito", mas, apenas por possuírem mais riqueza teriam mais chance de ocupar os cargos, comprando votos etc.

Felizmente, na democracia contemporânea adotamos este mecanismo oligárquico – a eleição –como forma de escolha de políticos, assim garantimos a qualidade dos nossos representantes (sic).

O que chamo aqui de liberalismo?

Para Sandel, o núcleo central do pensamento liberal é a idéia de que o "eu" é anterior aos fins (valores, modos de sentir, agir e pensar) dados pela sociedade. Se o "eu" é anterior à sociedade ele pode escolher livremente entre esses fins. Nesta visão "liberal", uma sociedade justa é aquela que não procura promover nenhum fim particular, mas libera os cidadãos para perseguir seus próprios fins, de acordo com uma liberdade similar para todos. Portanto, nós devemos ser governados por princípios que não pressupõe nenhuma visão particular do "Bem". Esses princípios comuns, não seriam a maximização do bem estar ou da virtude, ou outra promoção do "bem", mas apenas os princípios que estão de acordo com o conceito de direito, uma categoria moral que tem prioridade sobre o bem, e é independente dele. Para a visão liberal, o que faz a sociedade justa não é a escolha de um fim almejado, mas é a recusa de escolher entre concepções concorrentes de bem. Na sua constituição e nas suas leis, a sociedade justa procura formar uma rede dentro da qual os cidadãos podem perseguir seus próprios valores e fins, de acordo com a mesma liberdade para todos. Segundo Sandel, de acordo com esse ideal liberal, o direito seria superior ao bem em dois sentidos. Em primeiro lugar, os direitos individuais não podem ser sacrificados em nome do bem comum (nesse aspecto o liberalismo seria oposto ao utilitarismo). Em segundo lugar, os princípios de justiça que especificam esses direitos não podem ser baseados em nenhuma visão particular de "vida boa". Segundo Sandel, esse é o liberalismo de grande parte da filosofia moral e política contemporânea (por exemplo, Rawls) e é herdeiro de Kant. O "reino ideal dos fins" que emerge da interação dos sujeitos autônomos é o reino ideal desse liberalismo (que se distingue do utilitarismo).

Essa é a maneira de pensar dominante na sociedade civil-burguesa. É a sua ideologia. O problema maior é quando até os que deveriam pensar apenas repetem esse mantra sem questionar seus pressupostos, ou seja, essa visão torna-se uma espécie de religião dogmática.

Intolerância Iluminista

Não é nenhuma novidade saber que existem elementos autoritários no pensamento iluminista, tão comentados desde a "dialética do esclarecimento", de Adorno e Horkheimer. Um exemplo de autoritarismo e elitismo iluminista está na divisão entre uma minoria esclarecida e uma massa ignorante que precisa ser guiada à luz pelos intelectuais que usam a razão. A razão prevalecerá sobre os instintos baixos, que predominam no povo...

À parte ser mais fácil acreditar em duendes do que na lenga lenga racionalista, principalmente depois da Nietzsche, Freud, Marx, Foucault.... uma coisa me incomoda nessa polêmica em torno do artigo do Prof. Janine: o autoritarismo presente no artigo do Prof. Andrea Lombardi, no caderno Mais! (25/02/07), que sem usar argumentos, sem debater, procurou desqualificar o Prof. Renato Janine mostrando como Janine não era iluminista. Isso é escolástica! É dogmatismo, supõe que existam algumas verdades, "descobertas" pelos filósofos franceses do séc. XVIII, que não podem ser questionadas.

Temos a obrigação de sermos iluministas? Até que ponto o prof. Lombardi é um "livre pensador", pois este é aquele que é capaz de questionar seus próprios pressupostos. Como Janine parece ter feito. Até que ponto ele não está sendo um "escolástico" iluminista que foge de uma verdadeira discussão?

Paradoxalmente, os iluministas de hoje - liberais de esquerda e de direita - tem um discurso da tolerância, da liberdade de expressão... mas na prática mostram-se extremamente intolerantes quando seus dogmas são questionados. O que tenho visto é uma espécie de inquisição iluminista contra o Prof. Janine, que foi comparado até com Hitler, só por não perdoar as pessoas que arrastaram um garoto por 7 km.

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