A República contra a Máquina

1- Não o mero viver, mas a busca da vida bela. 2- A Liberdade não se negocia, a Paz sim. "Pode-se imaginar um prazer e força na auto-determinação, uma liberdade da vontade, em que um espírito se despede de toda crença, todo desejo de certeza, treinado que é em se equilibrar sobre tênues cordas e possibilidades e em dançar até mesmo à beira de abismos. Um tal espírito seria o espírito livre por excelência" (Nietzsche. Gaia Ciência, parágrafo 347)

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quarta-feira, fevereiro 20, 2008

O risco de ser jovem

Os iluminados de hoje são realmente filisteus, mas parece que a intensificação do filistinismo não cessa. A obsessão de hoje parece ser a preocupação com a vida acima de tudo, ou seja, com o "mero viver". Talvez esta obsessão esteja destruindo a possibilidade da "vida boa". Pois, é sempre em nome da "vida", da proteção da vida, da segurança, da redução de riscos, que se expandem os mecanismos de controle em uma sociedade cada vez mais monitorada, vigiada, onde os cidadãos são cada vez mais tutelados pelo Estado. Como será daqui a trinta anos? Será proibido correr riscos? Já estão calculando o risco de ser jovem...

Vejam a matéria:

Folha de São Paulo, domingo, 18 de março de 2007
GILBERTO DIMENSTEIN


Como calcular o risco de ser jovem
58% dos entrevistados exibiram tendência, em diferentes graus, de se meterem em encrencas
UMA PESQUISA realizada na pós-graduação de psicologia da PUC de São Paulo sustenta que podemos avaliar matematicamente o risco de um jovem abusar cronicamente das drogas e do álcool, de fazer sexo desprotegido e de desenvolver comportamentos violentos -assim como se conseguiria calcular a propensão para que ele se dedique aos estudos e cuide de sua saúde. Realizado pela professora Rosa Maria Macedo, especializada em terapia familiar, o estudo é baseado em centenas de milhares de entrevistas feitas com jovens pelo Search Institute, dos Estados Unidos. Ela adaptou os questionários à realidade brasileira e investigou o comportamento de 2.725 crianças e adolescentes de escolas públicas e privadas da cidade de São Paulo. O resultado é de tirar o sono até mesmo das pessoas mais serenas: 58% dos entrevistados exibiram tendência, em diferentes graus, de se meterem em encrencas abusando das drogas, transando sem camisinha ou provocando brigas.

Liberdade significa...

"Liberdade significa: os instintos viris, alegres na guerra e na vitória se apoderaram dos outros instintos - por exemplo, o instinto de 'felicidade'. O homem que se tornou livre, e muito mais ainda o espírito que se tornou livre pisa sobre o modo de ser desprezível do bem-estar, com o qual sonham o comerciante, o cristão, a vaca, a mulher, o inglês e outros democratas. O homem livre é guerreiro." (Nietzsche. Crepúsculo dos Ídolos. Pág. 95)

Para alguns este aforismo não passa de uma provocação, de uma expressão de mau-humor reacionário, antidemocrático e sexista. Mas se pensarmos na concepção de liberdade dos antigos, a Libertas, veremos que o aforismo é mais que uma simples provocação.
Primeira polêmica do aforismo: Nietzsche faz uma associação entre liberdade e instintos. Para a tradição "socrático-iluminista", a liberdade nunca esteve associada aos instintos. Quando os instintos predominam não se é livre, mas sim "escravo dos instintos", comandado pela necessidade, por "forças cegas" cujo resultado é absolutamente incerto. Esta tradição considera que só somos livres quando a razão predomina sobre os nossos instintos, sentimentos e paixões.
Mas até que ponto é possível este predomínio da razão? Até que ponto a própria "razão" não é uma reação instintiva daqueles que são demasiado fracos para viverem a vida, com seu fluxo de instintos, sentimentos e paixões que podem trazer muita felicidade mas também muita dor? Esse fraco é como aquele sujeito que depois de uma decepção amorosa afirma "não quero amar a mais ninguém", em vez de se apaixonar de novo, e se decepcionar de novo, ou não, enfim de seguir vivendo. Para ele o sentimento "amor" causou dor, então a solução é tentar eliminar esse sentimento. Mas eliminando este sentimento se elimina também a felicidade que ele produzia. Existe uma expressão popular para esse tipo de ação: "jogar o bebê junto com a água suja". Ele queria se livrar da água suja do banho (no caso, a dor da decepção amorosa), mas o bebê foi junto (o amor). Para Nietzsche, assim é com a vida, tentar eliminar a dor, significa tentar eliminar qualquer possibilidade de dor, portanto, se os instintos, sentimentos e paixões podem produzir dor, eles devem ser refreados ou eliminados. Acontece que assim se está eliminando a própria vida. Amor pode produzir dor: não ame mais. Sexo pode trazer problemas: não faça sexo. Álcool pode provocar doenças: tome cerveja sem álcool. A política na assembléia pode trazer conflitos: entreguem o poder a um império. Em busca da "paz de espírito" o sujeito abdica ao mesmo tempo de fontes de dor, mas também de fontes de felicidade, do "prazer de viver". A única situação onde realmente se pode estar seguro, protegido contra qualquer dor é a morte. Aí não há mais risco. Buscar a ausência de dor, a paz a qualquer custo, no limite, elimina também a própria vida. Mas elimina antes a liberdade. No mundo antigo, os escravos eram os que perdiam a guerra e abdicavam da liberdade em troca de "continuar vivendo". Fizeram um acordo trocando a liberdade pela paz. O homem livre não faz essa troca, ele é guerreiro.

Segunda polêmica do aforismo: O homem livre é guerreiro. Ele não troca a liberdade pela paz e não abdica dos instintos, sentimentos e paixões porque podem provocar dor. Ele não teme a dor mais do que teme o tédio de uma vida comezinha, pacata, sem desafios e realizações. Na verdade, ele nem chega a pensar nisso. Não é capaz de fazer um cálculo para encontrar um ponto ótimo entre a dor e o tédio. Não faz o cálculo porque a dor não o incomoda tanto como incomoda o fraco. O homem livre é guerreiro, ele não teme se jogar de peito aberto na vida. Ele ama a vida por inteiro com suas realizações, instintos, sentimentos, mas também com a dor etc. Ele diz um profundo sim à realidade inteira.

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