A República contra a Máquina

1- Não o mero viver, mas a busca da vida bela. 2- A Liberdade não se negocia, a Paz sim. "Pode-se imaginar um prazer e força na auto-determinação, uma liberdade da vontade, em que um espírito se despede de toda crença, todo desejo de certeza, treinado que é em se equilibrar sobre tênues cordas e possibilidades e em dançar até mesmo à beira de abismos. Um tal espírito seria o espírito livre por excelência" (Nietzsche. Gaia Ciência, parágrafo 347)

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quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Liberdade significa...

"Liberdade significa: os instintos viris, alegres na guerra e na vitória se apoderaram dos outros instintos - por exemplo, o instinto de 'felicidade'. O homem que se tornou livre, e muito mais ainda o espírito que se tornou livre pisa sobre o modo de ser desprezível do bem-estar, com o qual sonham o comerciante, o cristão, a vaca, a mulher, o inglês e outros democratas. O homem livre é guerreiro." (Nietzsche. Crepúsculo dos Ídolos. Pág. 95)

Para alguns este aforismo não passa de uma provocação, de uma expressão de mau-humor reacionário, antidemocrático e sexista. Mas se pensarmos na concepção de liberdade dos antigos, a Libertas, veremos que o aforismo é mais que uma simples provocação.
Primeira polêmica do aforismo: Nietzsche faz uma associação entre liberdade e instintos. Para a tradição "socrático-iluminista", a liberdade nunca esteve associada aos instintos. Quando os instintos predominam não se é livre, mas sim "escravo dos instintos", comandado pela necessidade, por "forças cegas" cujo resultado é absolutamente incerto. Esta tradição considera que só somos livres quando a razão predomina sobre os nossos instintos, sentimentos e paixões.
Mas até que ponto é possível este predomínio da razão? Até que ponto a própria "razão" não é uma reação instintiva daqueles que são demasiado fracos para viverem a vida, com seu fluxo de instintos, sentimentos e paixões que podem trazer muita felicidade mas também muita dor? Esse fraco é como aquele sujeito que depois de uma decepção amorosa afirma "não quero amar a mais ninguém", em vez de se apaixonar de novo, e se decepcionar de novo, ou não, enfim de seguir vivendo. Para ele o sentimento "amor" causou dor, então a solução é tentar eliminar esse sentimento. Mas eliminando este sentimento se elimina também a felicidade que ele produzia. Existe uma expressão popular para esse tipo de ação: "jogar o bebê junto com a água suja". Ele queria se livrar da água suja do banho (no caso, a dor da decepção amorosa), mas o bebê foi junto (o amor). Para Nietzsche, assim é com a vida, tentar eliminar a dor, significa tentar eliminar qualquer possibilidade de dor, portanto, se os instintos, sentimentos e paixões podem produzir dor, eles devem ser refreados ou eliminados. Acontece que assim se está eliminando a própria vida. Amor pode produzir dor: não ame mais. Sexo pode trazer problemas: não faça sexo. Álcool pode provocar doenças: tome cerveja sem álcool. A política na assembléia pode trazer conflitos: entreguem o poder a um império. Em busca da "paz de espírito" o sujeito abdica ao mesmo tempo de fontes de dor, mas também de fontes de felicidade, do "prazer de viver". A única situação onde realmente se pode estar seguro, protegido contra qualquer dor é a morte. Aí não há mais risco. Buscar a ausência de dor, a paz a qualquer custo, no limite, elimina também a própria vida. Mas elimina antes a liberdade. No mundo antigo, os escravos eram os que perdiam a guerra e abdicavam da liberdade em troca de "continuar vivendo". Fizeram um acordo trocando a liberdade pela paz. O homem livre não faz essa troca, ele é guerreiro.

Segunda polêmica do aforismo: O homem livre é guerreiro. Ele não troca a liberdade pela paz e não abdica dos instintos, sentimentos e paixões porque podem provocar dor. Ele não teme a dor mais do que teme o tédio de uma vida comezinha, pacata, sem desafios e realizações. Na verdade, ele nem chega a pensar nisso. Não é capaz de fazer um cálculo para encontrar um ponto ótimo entre a dor e o tédio. Não faz o cálculo porque a dor não o incomoda tanto como incomoda o fraco. O homem livre é guerreiro, ele não teme se jogar de peito aberto na vida. Ele ama a vida por inteiro com suas realizações, instintos, sentimentos, mas também com a dor etc. Ele diz um profundo sim à realidade inteira.

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