A República contra a Máquina

1- Não o mero viver, mas a busca da vida bela. 2- A Liberdade não se negocia, a Paz sim. "Pode-se imaginar um prazer e força na auto-determinação, uma liberdade da vontade, em que um espírito se despede de toda crença, todo desejo de certeza, treinado que é em se equilibrar sobre tênues cordas e possibilidades e em dançar até mesmo à beira de abismos. Um tal espírito seria o espírito livre por excelência" (Nietzsche. Gaia Ciência, parágrafo 347)

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terça-feira, março 13, 2007

Democracia x parlamento

A resposta do prof. Fábio Konder ao artigo de Bolivar Lamonier que criticava a proposta de reforma política da OAB:

FOLHA DE SÃO PAULO, 13 DE MARÇO DE 2007

TENDÊNCIAS/DEBATESQuem tem medo do povo?
FÁBIO KONDER COMPARATO
Será possível que ainda não aceitamos o fato de que, na democracia, é o povo que constitui o Poder Legislativo, e não o contrário?

O NOSSO país logrou realizar notável façanha política: instituiu e fez funcionar, por mais de um século, uma República de interesse privado e uma democracia sem povo. Salvo alguns golpes de Estado e os 20 anos de regime militar, tem-se aceito como verdade de evidência que tudo transcorre nos quadros da normalidade republicana e democrática. Eis, porém, que uma vaga de inquietação se levanta subitamente no coração das classes dirigentes e na cabeça dos seus "intelectuais orgânicos". A dúvida cruel é esta: o povo continuará a dormir tranqüilamente em "berço esplêndido"? Um antigo procônsul econômico do regime militar e signatário do AI-5 de 1968, que assegurou a impunidade para os assassinos, torturadores e estupradores ao suspender o habeas corpus e as garantias da magistratura, declara-se tragicamente preocupado com o futuro de nossa democracia.

Um brilhante jornalista, com maldisfarçada ambivalência de propósitos, despeja o vitríolo do seu sarcasmo contra a OAB, considerando-a uma "guilda profissional" que não tem representatividade para propor mudanças no sistema vigente. Um doutor em ciência política e consultor de empresas alerta para o risco de instauração do "chavismo" ou da abertura do caos em nossa terra.

Ficamos todos sensibilizados com as advertências. Não conseguimos, porém, compreender por que razão nenhum dos três personagens manifestou a mesma preocupação com o estado de marasmo econômico e desagregação social persistente há mais de um quarto de século neste país. Ou seja, exatamente o inverso do lema de nossa bandeira: desordem e regresso. Em todo esse largo período, o crescimento econômico do Brasil ficou abaixo da média mundial, um fato sem precedentes em nossa história.

Em 1980, metade da renda nacional era distribuída como remuneração do trabalho; agora, só um terço. Já temos 8 milhões de desempregados formais, sem contar a multidão dos definitivamente excluídos do mercado de trabalho. O rendimento médio do trabalhador brasileiro, medido pelo Dieese e o Seade, caiu 33% entre 1995 e 2005. O da classe média, isto é, o conjunto dos que ganham entre três e dez salários mínimos, segundo o Ministério do Trabalho, decresceu nada menos do que 46% entre 2000 e 2006. Alguma surpresa se tais fatos coincidiram com a vaga de violência e banditismo que se alastrou por todo o país? É possível responder a tudo isso sem uma mudança ampla na estrutura dos poderes decisórios do Estado?

Para os três personagens mencionados, a iniciativa de reforma política tomada pela OAB e outras entidades da sociedade civil (foram mais de 30 a assinar um "manifesto por uma reforma política ampla, séria e democrática", entregue ao Congresso) é indevida e extemporânea. Os partidos políticos e os malchamados poderes públicos (lembremos que "publicus", em latim, indica o que pertence ao povo) é que devem se ocupar com exclusividade do assunto, fazendo-o com o zelo e a competência que todos reconhecemos e admiramos...
Ora, o que se desconhece é que a OAB tem não só o direito mas o dever legal de atuar nessa matéria. A primeira de suas finalidades, prescrita na lei nº 8.906/2004, que estabeleceu o seu vigente estatuto, é "defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de Direito, os direitos humanos e a justiça social".

Como diria o respeitável conselheiro Acácio, pode-se fazer funcionar qualquer regime político sem povo, menos o democrático.

A não ser que a palavra "povo" tenha sido empregada em dois sentidos no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição ("Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição"). Ela designaria o conjunto de cidadãos quando se trata de eleger representantes, mas significaria "uma miríade não especificada de grupos corporativos e movimentos sociais", segundo a expressão do mencionado cientista político, quando se quiser tomar decisões populares em plebiscitos e referendos. Obviamente, nesta última hipótese, o Congresso Nacional deve aparecer como substituto necessário desse ajuntamento.

Será possível que ainda não aceitamos o fato elementar de que, numa democracia, é o povo que constitui o Poder Legislativo, e não o contrário?

De qualquer forma, os paladinos da conservação ilimitada do status quo podem se preparar para viver uma fase de crescente angústia: o povo brasileiro acabará, enfim, por exercer a soberania que lhe foi desde sempre negada. É uma questão de tempo.
Viva o povo brasileiro!

FÁBIO KONDER COMPARATO , 70, advogado, professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, é presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia do Conselho Federal da OAB e fundador e diretor da Escola de Governo, em São Paulo. É autor, entre outras obras, de "A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos".

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Esse Lamounier é um babaca, o que ele quer? Quer evitar a influência imprevisível do povo? Por que? Para manter a política econômica inalterada, os lucros dos bancos intocados. É uma política econômica nefasta,pois nesses anos tivemos o pior crescimento econômico da história da república, além de precarização do trabalho e aumento da desigualdade social.
Referendo não! Plebiscito não! Os políticos dos partidos políticos são melhores para decidir... pois eles recebem dinheiro dos bancos e das grandes empresas para ganhar suas eleições, e, uma vez eleitos, desligam-se de seus eleitores, assim não serão inluenciados por propostas "demagógicas" que querem mudar a política econômica dando prioridade ao setor produtivo, que gera empregos e não ao financeiro... Que querem um referendo sobre a dívida externa... etc. etc.
Todo apoio à proposta de Fábio Konder Comparato!

16 março, 2007 12:13  
Blogger Unknown said...

Deveras, a Direita e os Liberais têm o poder da mídia, defensores qualificados e argumentos que são tidos como verdades "incontestáveis", pela repetição histórica...Nosso Congresso é nada mais que um arcabouço jurídico-filosófico capenga para manutenção do status quo...como já li aqui, é a garantia de que a vontade do povo, mencionado no artigo 1º da Constituição, seja "razoável", ou ainda "flexível"...Fica óbvio que quem tem medo da democracia direta são os privilegiados detentores dos "direito adquiridos"...Abs

18 março, 2007 11:40  

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