A República contra a Máquina

1- Não o mero viver, mas a busca da vida bela. 2- A Liberdade não se negocia, a Paz sim. "Pode-se imaginar um prazer e força na auto-determinação, uma liberdade da vontade, em que um espírito se despede de toda crença, todo desejo de certeza, treinado que é em se equilibrar sobre tênues cordas e possibilidades e em dançar até mesmo à beira de abismos. Um tal espírito seria o espírito livre por excelência" (Nietzsche. Gaia Ciência, parágrafo 347)

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quinta-feira, março 08, 2007

Estado de exceção

O Estado de São Paulo, quarta-feira, 7 março de 2007

Sou vítima dos EUA, não um segredo de Estado
Khaled el-Masri*
Em 2003, na véspera do ano-novo, fui detido na fronteira entre a Sérvia e a Macedônia. A polícia macedônia concluiu erroneamente que eu viajava com um falso passaporte alemão. Fiquei preso, incomunicável, por mais de três semanas. Então fui entregue à Agência Central de Inteligência (CIA) dos EUA. Fui despido, surrado, algemado, vestido com uma fralda, drogado, acorrentado ao chão de um avião e enviado ao Afeganistão, onde passei mais de quatro meses numa masmorra imunda.

Muito depois de o governo americano ter percebido que eu era totalmente inocente, fui vendado, enviado para a Europa em outro avião e abandonado no topo de uma colina na Albânia - sem qualquer explicação ou pedido de desculpa pelo pesadelo que suportara.

Minha história é bem conhecida. Foi contada em centenas de reportagens em jornais e programas de televisão - muitas delas usando fontes do governo dos EUA. Promotores de meu país, a Alemanha, indiciaram 13 agentes e contratados da CIA por seu papel no seqüestro, nos maus-tratos e na detenção de que fui vítima. Nunca esperei algo parecido e certamente nunca desejei, mas o fato é que me tornei a face pública do programa de “entrega extraordinária” da CIA. Então, por que o governo americano insiste que minha provação é um segredo de Estado? Isto foge à minha compreensão.

Em dezembro de 2005, com a ajuda da União Americana das Liberdades Civis, entrei com ação contra o ex-diretor da CIA George Tenet e outros agentes e contratados da agência por seu envolvimento em seqüestro, maus-tratos e detenção arbitrária. O que pretendo com a ação é, acima de tudo, um reconhecimento público por parte do governo dos EUA de que eu era inocente, e um pedido de desculpas pelo que tive de suportar. Sem esta satisfação, é impossível retomar a vida normal.

O governo dos EUA não nega que fui injustamente seqüestrado. No lugar disso, argumenta nos tribunais que meu caso deve ser encerrado porque qualquer processo judicial em torno de minhas queixas vai expor segredos de Estado e ameaçar a segurança americana - embora o presidente Bush tenha falado ao mundo sobre o programa de detenção da CIA, e embora minhas alegações tenham sido corroboradas por testemunhas oculares e outras provas.

Em maio de 2006, para meu espanto e consternação, o juiz de um tribunal federal concordou com o governo e rejeitou meu caso. E na sexta-feira passada a decisão foi mantida por um tribunal de apelações. Parece que o único lugar do mundo onde meu caso não pode ser discutido é num tribunal americano.

Não abri este processo para prejudicar os EUA. Minha intenção é saber por que os EUA me prejudicaram. Não compreendo por que a nação mais forte da Terra acredita que o reconhecimento de um erro significará uma ameaça a sua segurança. Em novembro, visitei os EUA pela primeira vez para ouvir meus advogados apresentarem meu caso à corte de apelações em Richmond, Virgínia, e reunir-me com membros do Congresso (é óbvio que o governo americano não me considera uma ameaça à segurança; do contrário, não teria permitido que eu entrasse no país).

Embora não tenha entendido todos os argumentos apresentados pelos advogados, fiquei impressionado com a dignidade dos procedimentos e o respeito à lei, qualidades que sempre associei aos EUA. Estou profundamente decepcionado por saber que este mesmo sistema judicial me nega a chance de apresentar meu caso integralmente.

Durante minha visita de novembro, muitos americanos pediram-me desculpas pessoalmente pela brutalidade cometida contra mim em seu nome. Vi em seus rostos a verdadeira América, uma América que não é refém do medo de inimigos desconhecidos e entende a força e o poder da justiça. Este é o país que, espero, um dia me verá como um ser humano - não como um segredo de Estado.
*Khaled el-Masri, cidadão alemão nascido no Líbano, era vendedor de carros antes de ser detido em dezembro de 2003. Escreveu este artigo para o jornal ‘Los Angeles Times’

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Todos nós sabemos que os EUA sempre foi e continua sendo o Poder Mundial. Eles são muito influentes! O que um mero cidadão de qualquer que seja o país pode fazer para mudar isso? Nosso amigo alemão nunca vai conseguir o que quer, enquanto estiver ligado, dessa forma, a uma opinião que denigre a imagem americana. É triste, mas não vai passar disso para os EUA e para ele.

08 março, 2007 15:13  
Blogger Jean Gabriel said...

Flávia,

Você está dizendo que não há alternativa a não ser o conformismo. Devemos aceitar todos os abusos do império americano só porque eles são mais fortes e não adianta ninguém protestar contra isso...

Se isso fosse verdade, nunca teriam havido mudanças na história. Mas não foi isso que ocorreu. Todos os impérios caíram. Em diversos momentos da história a população ficou incoformada com um determinado poder e o derrubou. A própria independência do EUA foi uma luta do povo americano contra o império inglês, que na época era muito mais forte que os simples colonos dos EUA.

As manifestações contra Bush não adiantam nada? Você esquece que, por exemplo, um dos motivos dos EUA terem perdido a guerra do Vietnã foi o fato de terem surgido cada vez mais manifestações com cada vez mais gente contra aquela guerra. As manifiestações eram em todo mundo inclusive no EUA. Os presidente americano na ocasião perdeu a popularidade e teve de ceder à opinião pública e retirou as tropas do Vietnã.

Hoje as manifestações contra Bush nos EUA e em todo o mundo também derrubaram a popularidade dele lá nos EUA também, sua aprovação não chega a 30% do eleitorado americano. Por isso o seu partido perdeu recentemente as eleições para o congresso e para o senado nos EUA.

Em suma, um cidadão isolado realmente não pode nada. Mas, quando deixa de ser apenas um cidadão isolado e se tornam milhões de cidadãos inconformados aí não há poder que resista, pois o poder é baseado na força e na legitimidade, e quando um governo perde sua legitimidade ele não se sustenta no poder. O poder não se sustenta apenas com base na força. Uma prova disso está no próprio Iraque, onde o país mais forte do mundo (EUA) não consegue impor um governo seu, pois a população daquele país não aceita essa dominação estrangeira.

09 março, 2007 15:00  

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