A República contra a Máquina

1- Não o mero viver, mas a busca da vida bela. 2- A Liberdade não se negocia, a Paz sim. "Pode-se imaginar um prazer e força na auto-determinação, uma liberdade da vontade, em que um espírito se despede de toda crença, todo desejo de certeza, treinado que é em se equilibrar sobre tênues cordas e possibilidades e em dançar até mesmo à beira de abismos. Um tal espírito seria o espírito livre por excelência" (Nietzsche. Gaia Ciência, parágrafo 347)

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sexta-feira, março 09, 2007

Análise da atual conjuntura internacional

Muito interessante o artigo do prof. Fiori que segue abaixo:
A Corte e as Nações
Os Estados Unidos estão perdendo capacidade de intervenção unilateral em quase todas as regiões do mundo

José Luis Fiori 05/03/2007*

"Todas as previsões, liberais ou marxistas, do fim dos estados ou das economias nacionais, ou mesmo da formação de algum tipo de federação cosmopolita e pacífica, são utopias, com toda a dignidade das utopias que partem de argumentos éticos e expectativas generosas, mas são idéias ou projetos que não tem apoio objetivo na análise da história e da lógica do Sistema Mundial"
J.L.F., "O Poder Americano", Editora Vozes, Petrópolis, p: 57, 2004
Na década de 80, falou-se da "retomada da hegemonia americana"; nos anos 90, falou-se da globalização e da vitória liberal; e depois de 2001, falou-se de império, e guerra global ao terrorismo. E durante todo este tempo, o poder americano cresceu de forma contínua e incontrastável. Mas de repente, tudo mudou, de forma surpreendente, criando um nevoeiro sobre a conjuntura internacional.
Mesmo nos Estados Unidos, hoje existe um sentimento de impasse e perplexidade, porque 15 anos depois do fim da Guerra Fria, suas intervenções militares não expandiram a democracia nem os mercados livres; suas guerras aéreas não foram suficientes, sem a conquista e ocupação dos territórios bombardeados; e mesmo quando houve vitória militar não deram conta do controle territorial e da reconstrução nacional dos países derrotados.
Hoje, ninguém mais acredita na possibilidade de uma vitória no Iraque, no Afeganistão ou na "guerra global" ao terrorismo. Mas não existe, neste momento, dentro dos Estados Unidos uma alternativa clara de política externa capaz de mudar o rumo da conjuntura internacional, cada vez mais assustadora.
Com certeza, não se trata de uma "crise final" do poder americano, nem seu poder militar global está sendo desafiado neste momento. Paradoxalmente, os Estados Unidos estão perdendo capacidade de intervenção unilateral em quase todas as regiões do mundo, aumentando os graus de liberdade dos demais Estados, em particular, das suas velhas e novas potências do sistema mundial.
No Oriente Médio, a intervenção militar americana, no Iraque, criou um novo eixo de poder xiita, na região, e deu musculatura à pretensão hegemônica regional do Irã. Mas, além disto, desacreditou o projeto "Grande Médio Oriente", do segundo governo Bush, e corroeu a credibilidade das ameaças americanas de intervenção no Irã, na Coréia do Norte ou em qualquer outro estado com alguma força militar e apoio internacional.
Os Estados Unidos seguirão tendo grande influência no Oriente Médio, mas perderam sua posição arbitral e terão que compartir interesses e decisões, com a Rússia, a China e outros estados envolvidos na competição pelos recursos energéticos do Oriente Médio.
Na Europa, a situação é menos conflitiva, mas é indisfarçável o aumento da resistência ao unilateralismo norte-americano e ao poder militar da Otan. Além disto, a reunificação da Alemanha e o refortalecimento da Rússia atingiram o processo da unificação européia. A Alemanha se tornou a maior potência demográfica e econômica do continente e passou a ter uma política externa autônoma, centrada nos seus próprios interesses nacionais.
Nesta direção, vem aprofundando suas relações econômico-financeiras com a Europa Central e com a Rússia, assumindo a luta pela hegemonia dentro da União Européia, sem fechar a possibilidade de uma aliança mais estreita com a Rússia, que acabaria de entornar de vez a relação do Velho Continente com os Estados Unidos.
Na América Latina, o cenário é um pouco diferente, porque se trata do único continente onde nunca existiu uma disputa hegemônica entre os seus próprios estados nacionais. Os estados e as economias latino-americanas sempre foram periféricos e estiveram sob a égide da Grã Bretanha, no século 19, e dos Estados Unidos, no século 20.
Assim mesmo, neste início do século 21, está em curso uma mudança no relacionamento da América do Sul, com os Estados Unidos. Sobretudo, depois da moratória a Argentina, em 2001, do fracasso do golpe de estado na Venezuela, em 2002, e da rejeição do projeto norte-americano da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), na reunião de Punta del Este, em 2005. Um distanciamento que deve se manter, mesmo com o recente esforço americano de reafirmação do Brasil como seu "sócio menor", para assuntos do sul do hemisfério.
Quanto à África, a preocupação dos Estados Unidos se restringe hoje, quase exclusivamente, à disputa das regiões petrolíferas e ao controle e repressão dos grupos terroristas do nordeste do continente. Apesar dos gestos de boa vontade do G8, tudo indica que a velha Europa não tem mais "fôlego" e os Estados Unidos disposição, ou "capacidade instalada", para cuidarem do "renascimento africano", proposto pelo presidente sul-africano Nelson Mandela, ainda na década de 90.
Neste quadro, o mais provável é que a África Negra acabe se transformando na nova e grande fronteira de expansão econômica e política da China e da Índia.
Por fim, o leste asiático é, neste momento, a região do sistema mundial onde existe a maior competição explícita pela hegemonia regional, envolvendo a China, o Japão e a Coréia, mas também a Rússia, e os Estados Unidos. A crescente obsessão dos Estados Unidos com o Oriente Médio, e com a sua "guerra global" com o terrorismo, diminuiu sua capacidade de intervenção direta nos assuntos militares asiáticos. E abriu espaço para o ressurgimento do nacionalismo japonês e da corrida armamentista dentro da região que mais compra armas em todo mundo.
Por isto, mesmo que a Coréia do Norte interrompa transitoriamente suas experiências atômicas, não é improvável que a competição armamentista induza o Japão a ter o seu próprio arsenal atômico, criando uma tensão insuportável com a China, e da China com os Estados Unidos.
Em todo este complicado xadrez mundial, chama atenção a rapidez com que foi soterrada a utopia da globalização e do fim das fronteiras nacionais, que mobilizou tantas inteligências ao redor do mundo, na década de 90. E a rapidez ainda maior com que o sistema mundial retornou à sua velha "geopolítica das nações", com o fortalecimento das fronteiras nacionais e da competição econômica mercantilista, e com o aumento da luta pelas hegemonias regionais. Pode-se ou não gostar do que está acontecendo, mas convém reconhecer os fatos, para não fazer o papel de eterno bobo da Corte.
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* Professor de Economia Política Internacional no. Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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