A República contra a Máquina

1- Não o mero viver, mas a busca da vida bela. 2- A Liberdade não se negocia, a Paz sim. "Pode-se imaginar um prazer e força na auto-determinação, uma liberdade da vontade, em que um espírito se despede de toda crença, todo desejo de certeza, treinado que é em se equilibrar sobre tênues cordas e possibilidades e em dançar até mesmo à beira de abismos. Um tal espírito seria o espírito livre por excelência" (Nietzsche. Gaia Ciência, parágrafo 347)

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quinta-feira, setembro 11, 2008

Tutela e despotismo

“Quero imaginar sob quais traços novos o despotismo poderia produzir-se no mundo: vejo uma multidão incontável de homens semelhantes e iguais que se voltam sem descanso sobre si mesmos à procura de pequenos e vulgares prazeres com os quais preenchem a alma. Cada um deles, retirado à parte, é como que estranho ao destino de todos os outros: seus filhos e seus amigos particulares formam para ele toda a espécie humana; quanto ao restante dos seus concidadãos, está ao lado deles, mas não os vê; ele os toca e não os sente; só existe em si e apenas para si só, e, se lhe resta ainda uma família, pode-se ao menos dizer que não tem mais pátria.
Acima destes se eleva um poder imenso e tutelar, que se encarrega sozinho de assegurar seu prazer e velar sobre sua sorte. É absoluto, minucioso, regular, previdente e brando. Se assemelharia ao poder paterno se, como ele, tivesse por objeto preparar os homens para a idade viril; mas, pelo contrário, não busca senão fixá-los irrevogavelmente na infância; agrada-lhe que os cidadãos regojizem, desde que não sonhem senão em regojizar-se. Trabalha de bom grado para sua felicidade, mas quer ser seu único agente e árbitro exclusivo; provê a sua segurança, prevê e assegura suas necessidades, facilita seus prazeres, conduz seus principais negócios, dirige sua indústria, regula suas sucessões, divide suas heranças; que falta tira-lhes inteiramente senão o incômodo de pensar e o tormento de viver?
É assim que todos os dias torna menos útil e mais raro o emprego do livre-arbítrio; que encerra a ação da vontade num pequeno espaço, e subtrai pouco a pouco de cada cidadão até o emprego de si mesmo. A igualdade preparou os homens para todas essas coisas: ela os dispôs a sofrê-las e com freqüência até a considera-las um benefício. Depois de ter tomado sucessivamente em suas mãos poderosas cada indivíduo, e tê-lo petrificado a seu gosto, o soberano estende seus braços sobre a sociedade inteira; cobre a sua superfície com uma malha de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, através das quais os espíritos mais originais e as almas mais vigorosas não poderiam vir a luz para ultrapassar a multidão; não esmaga as vontades, mas as debilita, curva e dirige; raramente força a agir, mas se opõe sem cessar à ação; nunca destrói, impede de nascer; nunca tiraniza, mas constrange, comprime, enerva, extingue e embota, e enfim reduz cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos e diligentes, dos quais o governo é o pastor.
Sempre acreditei que essa espécie de servidão, regulada, doce e pacífica, que acabo de retratar, poderia conjugar-se mais facilmente do que se imagina com algumas das formas exteriores de liberdade, e que não lhe seria impossível estabelecer-se à própria sombra da soberania do povo.
Nossos contemporâneos são incessantemente trabalhados por duas paixões inimigas: sentem a necessidade de serem conduzidos e o desejo de permanecerem livres. Não podendo destruir nem um nem outro destes instintos contrários, esforçam-se por satisfazer ao mesmo tempo a ambos. Imaginam um poder único, tutelar, todo-poderoso, mas eleito pelos cidadãos. Combinam a centralização e a soberania do povo. Isso lhes dá algum descanso. Consolam-se de estar sob tutela, pensando que eles mesmos escolheram seus tutores. Cada indivíduo suporta ser acorrentado, porque vê que não é um homem nem uma classe, mas o próprio povo que segura a ponta da corrente”.
Tocqueville, A. Em: A Democracia na América. V. II.

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